sábado, 23 de julho de 2011

Ciência de apenas um estudo baseou alterações no Código Florestal

A reforma do Código Florestal aprovada pela Câmara dos Deputados aproveitou
base científica de apenas um estudo, com conclusões duvidosas ou erradas e
ainda não devidamente publicado.

A afirmação foi feita pelo pesquisador Antonio Donato Nobre, em sua palestra
Novas Geotecnologias no Ordenamento Territorial, dada na 63ª Reunião Anual
da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na
última semana, em Goiânia. Ele se refere a um trabalho de 2008, de Evaristo
de Miranda, pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite, que afirma
que apenas 29% das terras do Brasil estão disponíveis para as lavouras.

Para Nobre, os achados de Miranda foram "avidamente apropriados por
poderosos interesses políticos e econômicos". "Na esteira dessa apropriação,
e substanciado pelo julgamento de valor emitido pelo estudo, formou-se ampla
frente política para alteração do Código Florestal", criticou Nobre, que é
pesquisador dos institutos nacionais de pesquisas Espaciais (Inpe) e da
Amazônia (Inpa). "O estudo, em essência, estimulou a percepção das forças
políticas sobre uma realidade na qual não existiriam terras disponíveis para
expansão das atividades agrícolas."

Em suas críticas, ele não está falando por falar. Nobre se baseia no estudo
realizado por seu grupo no Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Inpe,
intitulado Zonas ripárias e o código florestal - Usando Geotecnologias na
definição de APPs, apresentado em sua palestra na Reunião da SBPC. Foram
mapeados 308.200 quilômetros quadrados, subdivididos em áreas menores nas
regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste. O estudo empregou uma tecnologia
chamada de hidrografia digital em alta resolução, que usa imagens de radar e
modelagem matemática para produzir acurados mapas em 3D dos rios e outros
corpos d'água. Depois, o estudo aplicou as determinações de faixas marginais
para as matas ciliares (ripárias) do código florestal vigente, do
substitutivo do deputado Aldo Rebelo que foi considerado na Câmara em uma de
suas versões, e simulou um dos métodos empregados no estudo de Miranda,
comparando os três.

Os resultados mostraram que se forem obedecidas as normas do atual código
florestal, as matas ciliares protegidas em APP (áreas de proteção
permanente) ocupam apenas 6,87% das terras. Pelo substitutivo Aldo Rebelo,
esse índice cairia para 4,72% e no simulado de Miranda chegaria a 21,26%. "A
APP ripária computada emulando o método de Miranda é 309% super-estimada em
relação à APP utilizando hidrografia em alta resolução", revelou. "Não se
justifica portanto dizer que o código florestal vigente protege áreas
ripárias demais. Se o estudo de Miranda inflacionou as APPs ripárias desta
forma, como confiar em seus outros números?"

As críticas de Nobre não param aí. De acordo com ele, o estudo de Miranda
passou uma noção não quantitativa de que as APPs estariam genericamente
tomadas por atividades agrícolas altamente produtivas. "Como até hoje a
evolução do substitutivo Aldo Rebelo não contou com um aporte qualificado e
sério de ciência, muitas dessas falsas premissas científicas ainda instruem
o processo legislativo", disse.

Nobre fez ainda uma avaliação científica do estudo de Miranda, semelhante
àquela feita por pares, aos quais são submetidos todos os trabalhos
científicos antes da sua publicação. Por esse critério, trata-se, segundo
Nobre, "de um estudo pioneiro em abrangência, aparentemente extenso e
complexo, mas com aspectos críticos da metodologia inexplicavelmente
omitidos, o que tem dificultado ou impedido a reprodução independente das
análises feitas".

Além disso, para Nobre, é um trabalho "que saiu diretamente do laboratório
para a imprensa e para os círculos de lobby político". Não obstante,
lembrou, "dois anos e meio depois de seu anúncio, o estudo ainda não foi
publicado em revista científica com corpo editorial na sua área de
concentração (geociências). "Apesar das graves limitações metodológicas,
admitidas em parte no próprio estudo, as conclusões são apresentadas com
julgamento de valor e engajamento ideológico, contrariando as melhores
práticas científicas de neutralidade objetiva."

Nobre diz que a "A SBPC e ABC (Academia Brasileira de Ciência) apresentaram
uma revisão criteriosa de centenas de estudos científicos publicados, mas o
Congresso ainda ignora". "Enquanto isso, o estudo de Miranda vem sendo
amplamente utilizado para justificar várias alterações propostas no Código
Florestal."

(Ascom da SBPC)

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